Shakespeare, Metal e a falta de informação da grande mídia

21 de ago. de 2010



É impressionante como sempre que a grande mídia resolve falar sobre Heavy Metal a falta de informação e o preconceito transparecem nas reportagens. Exemplos disso não faltam e vão desde a cobertura de qualquer Rock in Rio até simples entrevistas que não duram mais que alguns minutos.

Recentemente tive outro exemplo disso. O programa “Metrópolis” da TV Cultura conduziu uma breve entrevista com a banda ANGRA a respeito de seu recém-lançado novo álbum, que leva o título de “Aqua”.  Triste ver que até mesmo em uma emissora com um nível acima das outras, pelo menos, culturalmente falando, essa falta de informação ocorre.

Ainda no estúdio, na chamada da matéria, a falta de informação já reinava absoluta. Os apresentadores Cunha Jr e Adriana Couto chamam a matéria com a banda da seguinte forma: “Agora o assunto é uma dobradinha que pode parecer esquisita: Heavy Metal e Shakespeare”. Pode parecer esquisita pra quem, Cunha Jr? Só se for pra você, que não entende nada de rock pesado. Literatura e metal caminham juntos há muito tempo, para sua informação. É muito comum encontrar músicas de heavy metal baseadas em obras literárias. Seria estranho se funk, axé, sertanejo ou qualquer outro desses estilos, estivesse ligado a essa temática.

Desde que o Heavy Metal ganhou esse nome, inúmeras bandas do estilo criaram músicas e, por vezes, álbuns inteiros baseados em livros. A lista é imensa e vai desde IRON MAIDEN com suas “To Tame A Land”, baseada no épico “Duna” de Frank Herbert e “Rime of the Ancient Mariner” baseada no poema de Samuel Taylor Coleridge, até o clássico disco “Nigthfall in the Middle-Earth” inteiramente conceituado na obra “O Silmarillion” de J.R.R. Tolkien, até a mais recente “The Odyssey” dos estadunidenses do SYMPHONY X, fundamentada na “Odisseia” de Homero. O próprio Shakespeare já foi homenageado tendo sua obra “Hamlet” completamente musicada por bandas nacionais no projeto de mesmo nome lançado pela gravadora Die Hard Records em 2002, tendo atingido um resultado deveras satisfatório.

Mas os exemplos não param por aí. Muitos outros grupos, e até esses já citados, compuseram muitas outras músicas e álbuns tendo livros como conceitos. Isso sem falar, nos casos em que a linha-guia não foi livros em si, mas a própria história e guerras da humanidade. O que mostra que o Heavy Metal é sim, um estilo com muita bagagem cultural e um dos poucos que em suas letras consegue fugir do já banalizados temas “amor, traições e afins”.

Como se a gafe da “dobradinha esquisita” já não tivesse sido suficiente, na entrevista a seguinte pergunta é feita ao guitarrista Rafael Bittencourt: “O que será que Shakespeare acharia desses solos virtuosos e tanta barulheira?”. Pera lá, solos virtuosos, tudo bem. Agora, tanta barulheira, é um pouco ofensivo, em seu Cunha? De qualquer forma, o guitarrista respondeu muito bem, leiam: “É possível que Shakespeare, como um cara inteligente que era, ia gostar muito de Heavy Metal, que é um som bastante sofisticado. Ele ia adorar, com certeza.” Parabéns Rafael!

Só nos resta saber até quando esse preconceito e falta de informação da grande mídia contra o metal irá continuar. Mas algo me diz que ainda vai durar por muito tempo. Para encerrar, deixo aqui um recado ao pessoal da TV Cultura e da mídia em geral: dobradinha esquisita de verdade é essa que, infelizmente, assola o nosso país: jornalismo e falta de informação. Sad but true.


A referida matéria do programa “Metrópolis” pode ser conferida abaixo:

15 comentários:

Raul disse...

Como assim, o funk não tem bagagem cultural? Temos o incrível Funk do Anel, baseado na principal obra de Tolkien, hahaha.

Agora, falando sério, eu perdi qualquer esperança de seriedade quando, na morte do Dio, exibiram imagens do Ozzy.

Diz a lenda que Willian Bonner define a pauta do JN baseado naquilo que o Homer Simpson consegue ou não entender. Acho que o Heavy Metal está entre essas coisas que o Homer não entende muito bem

Infelizmente, a bagagem cultural do povo brasileiro foi destruída, a tal ponto que muitos simplesmente não conseguem vislumbrar a idéia de que música pode ter um conteúdo bem elaborado.

Acho que, ao menos em parte, isso acontece porque as pessoas parecem não estar mais acostumadas a pensar muito longe de "amor, traições e bebedeira". Isso acaba por refletir na música e na arte em geral.

Além de estarmos num país cuja população cada vez mais parece pensar que a vida é uma dessas novelas com romances e intrigas meia boca, me parece que o preconceito ao metal também é fruto de uma certo engessamento do conceito daquilo que vem a ser boa cultura ou não.

A entrevista deixa claro que não entra na cabeça do jornalista como pode haver Shakespeare no meio daquela "barulheira" toda. Afinal de contas, todo mundo sabe que música brasileira só pode ser bem feita se for MPB, Bossa Nova ou alguma xaropada feita com um banquinho e um violão.

Enfim, acho que está ai o grande "problema" com o metal, que faz dele essa coisa controversa: É elaborado demais pra ser popular, mas é muito diferente pra ser aceito pelos nossos "pensadores".

guilherme disse...

Quando é que as emissoras vão começar a divulgar o Heavy Metal de forma imparcial e contrutiva para as bandas do gênero? Sempre que o Heavy Metal aparece na mídia sempre tem esses comentários preconceituosos e ridicularização dos músicos. Tratam o estilo como se fosse uma espécie de vilania. Acho que não querem que as pessoas descubram que o Heavy Metal tem muito mais conteúdo e é muito mais divertido do que tudo que está a mídia.

Ale disse...

Mais uma que a TV aberta aprontou...¬¬

Postei alguns videos de fails no meu blog, entre eles a globo falando do iron maiden em 1985, no Rock in Rio.

E, realmente, é brincadeira a falta de informação deles, eu sou uma pessoa sem nenhuma formação em jornalismo e entrevistaria a banda melhor.

Carlos E. Garrido - Café com Ócio disse...

Raul, acho que você deve ser algum tipo de filósofo contemporâneo, seus comentários são sempre muito bons. Essa sua frase: "Enfim, acho que está ai o grande 'problema' com o metal, que faz dele essa coisa controversa: É elaborado demais pra ser popular, mas é muito diferente pra ser aceito pelos nossos 'pensadores" diz tudo.

Quanto ao funk do Anel é pra valer mesmo ou é uma sátira? rs

Carlos E. Garrido - Café com Ócio disse...

A frase do Guilherme também é muito boa: "Acho que não querem que as pessoas descubram que o Heavy Metal tem muito mais conteúdo e é muito mais divertido do que tudo que está a mídia".

O Metal realmente tem muito, mas muito mais conteúdo do que as pessoas pensam. Heavy Metal é sim um estilo de música que pode ser chamado de "cultura". Mas a mídia ainda vai demorar muito pra descobrir isso.

Carlos E. Garrido - Café com Ócio disse...

Mito Ale, eu dei uma olhada no seu blog, esses videos são do baralho mesmo. rs. A TV brasileira é uma brincadeira de péssimo gosto quando se metem com o que não conhecem.

Jonas disse...

Fiquei muito revoltado, quando VÍ PELA TV de noite quando cheguei em casa, colocarem imagens do Ozzy enquanto falavam do Dio. Tenho colegas colegiais que fariam um trabalho melhor. Acho que estou inconformado até hoje.

Carlos E. Garrido - Café com Ócio disse...

Esse episódio do Ozzy no lugar do Dio foi lastimável. Pior ainda é pensar que quem fez isso é muito bem pago para desempenhar essa função. Revoltante.

Unknown disse...

Caros amigos realmente concordo com tudo que foi escrito até agora aqui mas vou discordar apenas de uma coisa, que a TV vrs Heavy Metal já é uma brincadeira de longa data todos já sabem, mas sinceramente tomara que assim continue, sabem porque nós que conhecemos somos tanto de ouvido como de conhecimento privilegiados pois somos a elite e como se diz aqui em Portugal a Nata das Natas e que continue assim. e que a (TV) continue sega para isso afinal por exemplo já pensaram se por exemplo um Galvão Bueno fazendo uma entrevista com o Bruce Dickinson que já foi campeão de esgrima como seria ahhahhaa, que o Heavy Metal continue a ser Underground e Elite hoje e sempre boa continuação a todos saúde e sucesso

Carlos Eduardo de Souza Santos disse...

Concordo plenamente com o Luciano Luck Lopes...
O heavy Metal deve continuar a ser underground, uma válvula de escape para as pessoas que ainda tem um senso critico para sonoridade musical.
Se um dia a mídia começar a deslumbrar do Heavy Metal, o estilo vai ficar banalizado e as modinhas vão começar até a invertar coreografia para dançar e moda fashion para o Metal...
Vamos continuar no "anonimato" (não sei se colocar mais de 100 mil pessoas dentro do morumbi para ver uma banda é anonimato) e apreciar a cultura metal.

Anônimo disse...

Já eu acredito que o Heavy Metal possui conteúdo erúdito, assemelhando-se em muito à música clássica. Não apenas por 99,9% das bandas de hoje (e as que fundaram o estílo) colocarem elementos musicais clássicos, mas também pela complexidade de suas composições e pela variedade de temas científicos, culturais e filosóficos abordados em suas letras.
Tenho, para meu próprio conforto, que o Heavy Metal nunca vai cair no gosto das grandes massa, mas sim, será apreciado por aqueles com mente mais afiada e criativa.

Bruno disse...

Brasileiro tem preconceito com guitarra, fato! Principalmente no meio da MPB, q fazia passeata contra a guitarra elétrica, q no maximo usa ela clean fazendo pica-pau, além dos pagodeiros e funkeiros.

Outro dia expliquei a uma formada em musica pela Unirio, fã de mpb, o q era o efeito de distorção, q gerava harmônicos sobre as notas e coloria mais o som, e as pessoas q n gostavam n tinham capacidade pra ouvir, e se tornava ruído pq na verdade era excesso de informação, over drive, sobrecarga de sinal, q excita as notas e fazem soar harmônicos consonantes assim como dissonantes tb.

Ela ficou puta, mas era verdade, um ouvido absoluto de jazzista de nada adianta, se vc n consegue ouvir as nuances dos instrumentos levados as suas máximas e mínimas dinâmicas, pq o jazz quase n tem dinamica, onde seus sons são característicos, o q seria de um saxofone sem aquele roncar? É o mesmo efeito, o atrito de arcos nos violinos e celos é o mesmo efeito, mas a guitarra n tem qualquer crédito por essas bandas...

Marcelo Brito disse...

Outro album muito bom, baseado em Macbeth do Shakespeare, é o Thane to the Throne do Jag Panzer.

Cesar disse...

Meus parabens por esse artigo, meu camarada! Mto bem escrito e o melhor, defendendo o Heavy Metal! Primeira vez que visito o blog e já virei fã, hehe...

Realmente, a mídia de forma geral ainda tem mto oq evoluir em termos sonoros. Não estou pedindo para que todos gostem de metal, não mesmo! Isso seria um desastre. Mas que as pessoas tenham alguma noção antes de falar besteiras como nessa reportagem da TV Cultura.
O Angra foi mto bem na entrevista, principalmente o Rafael! Fiquei arrepiado com a resposta dada ao "tanta barulheira" desse reporter. Realmente, uma colocação mto infeliz do "seu Cunha"... Mas é assim mesmo, aos poucos vamos conquistando nosso espaço. Ainda seremos mto maiores do que somos hj!

Stay Heavy, my friend! _\,,/

VanaAlemoa disse...

Cara, amo teu blog. Não ti nha visto esse post ainda. Bah, que raiva... Ainda relevei quando o cara falou em "dobradinha esquisita". Mas quando ele questionou o que Shakespeare acharia da "barulheira" fiquei com nojo do jornalista. Como o Rafael é muito simpático, respondeu com elegância. O Kiko só deu um sorriso amarelo. Eu que falo tanto na relação entre Heavy e Literatura...

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