Mais um ano se aproxima de seu fim, com lojas pendurando seus enfeites de natal, pessoas tentando resolver suas ultimas preocupações e famílias planejando suas festividades. Essa é também uma época muito importante para todos aqueles estudantes que planejam avançar do ensino médio para o superior. Nada disso chega a ser novidade, assim como o fato de mais uma vez o tão falado Enem ter se transformado em motivo de piada e revolta entre alunos, pais e professores.
Com o fim das recentes eleições presidenciais, o vazio que repentinamente tomou conta da mídia nacional logo tratou de ser preenchido pelo “grande escândalo” das diversas falhas na prova, que este ano será responsável pela seleção dos candidatos a boa parte das cadeiras de nossas universidades federais.
Que existiram diversas falhas é algo praticamente indiscutível, mas creio que não foram exatamente aquelas apontadas exaustivamente pelos noticiários e debatidas em rede nacional. Nada mais justo do que ceder espaço para a visão de alguém que neste momento participa desse enfadonho processo de seleção.
Em primeiro lugar, gostaria de falar do que, a nosso ver, não pode ser chamado de falha, ou no máximo de falhas menores.
Os tais cartões invertidos:
Isso é o tipo de falha que se espera de alguém que entrega trabalhos no ensino fundamental, possivelmente no médio e talvez nos primeiros anos de faculdade. Permitir que uma falha dessas chegasse até as mãos dos inscritos é sinal de que o trabalho foi feito por amadores.
A impressão que dá e a de que o estagiário copiou o cartão do ano passado, mandou pra gráfica e não viu que nesse ano tinham trocado a ordem do caderno de questões. Porém, não é exatamente o tipo de coisa que pode justificar o mau desempenho do estudante na prova. Até porque, se nada tivesse sido dito, é provável que a grande maioria dos candidatos sequer tivesse notado tal erro.
A não ser nos casos específicos daqueles que tiveram a orientação errada a respeito desse erro, querer afirmar que isso prejudicou a resolução da prova parece ser uma simples desculpa daqueles que não tiveram um desempenho satisfatório para tentar fazer a prova mais uma vez.
Os cadernos amarelos:
Diferente dos cartões com os títulos das colunas invertidas, esse é um erro que obviamente prejudica o desempenho de todos aqueles que receberam os cadernos que não continham todas as perguntas da prova. É como não entregar todas as peças de um quebra-cabeças e querer que no final ele esteja completo.
Nesta situação, o que ocorre é um choque entre dois princípios de nosso direito: O da isonomia e o da proporcionalidade. O primeiro garante que todos são iguais perante a lei, independente de cor, sexo, ou crença. No caso específico do Enem, garante que todos os candidatos terão as mesmas oportunidades de realizar a prova, sem que determinado grupo tenha privilégios em relação aos outros.
Já o principio da proporcionalidade garante que a lei só agirá na exata medida do problema em questão, ou seja, que não se use uma marreta de vinte quilos para pendurar um quadro na parede.
Embora tenham feito muito barulho a respeito das provas com defeito, o problema atingiu, segundo estimativas do INEP, cerca de 0,05% dos candidatos. Exigir que todos os candidatos façam novamente a prova é muito mais uma violação ao principio da proporcionalidade do que ao da isonomia. Até porque a prova já seria realizada em dezembro para presidiários e ninguém entendeu que eles teriam alguma vantagem por isso. Portanto, este é outro problema que parece ter sido exageradamente abordado pela mídia.
Mas então a prova realmente foi um sucesso extraordinário, como afirmou o presidente?
Não. Realmente houve um erro preocupante, que não tem recebido a devida atenção: o nível da prova deixou muito a desejar, considerando que a mesma tornou-se a única porta de entrada para muitas universidades federais.
Perguntas simplesmente idiotas, como expor uma série de quadros, entre os quais um da Monalisa com o rosto do Mr. Bean e perguntar qual era o quadro que misturava personagens novos e antigos. Na parte de exatas, coisas como calcular a área de um cubo com todas as medidas dadas, ou representar uma lousa dividida em cinco partes com três preenchidas. Estas são perguntas que se espera ver numa prova de conclusão do ensino fundamental, não em um concurso para a seleção de universitários.
Ao ver uma prova tão simplória, a impressão dada é a de que o governo está mais interessado em criar estatísticas de aumento nas notas das escolas do que em selecionar estudantes preparados para o ensino superior.
Não que a capacidade de alguém seja medida satisfatoriamente pelo vestibular, mas vamos analisar outra situação para entender como essas provas toscas podem comprometer diversos setores profissionais.
Desde algumas décadas atrás, houve um aumente explosivo no número de faculdades privadas de direito. Algumas muito bem conceituadas, muitas vezes são até mais visadas que muitas faculdades públicas. Já outras adotaram a filosofia do "pagou, passou". Isso produziu um numero muito grande de pessoas com diploma de bacharel em direito nas mãos.
Só que diploma de bacharel em direito não serve para muita coisa. Para exercer a advocacia ou participar dos concursos mais visados, é necessário que o bacharel seja aprovado pela OAB. Resultado? Os estudantes que frequentaram bons cursos costumam passar. Já aqueles que não tiveram a mesma oportunidade ficam anos com um diploma na mão que só serve para preencher moldura.
Permitir uma entrada com critérios tão baixos nas universidades federais tende a exportar esse problema para outros setores ou, no mínimo, um gasto de recursos absurdos com alunos que não vão conseguir concluir o curso.
O "jeitinho brasileiro"
As falhas no cartão de respostas denunciaram um segundo problema: Falta de organização. Ficou claro que nem todos os fiscais foram adequadamente preparados para exercer tal função. Enquanto em alguns locais houve cursos preparatórios e exames, em outros, pessoas foram chamadas a um ou dois dias da prova. Alguns fiscais permitiram o uso de lápis e borracha, enquanto outros não. A mesma coisa aconteceu com o uso de relógios e outros aparelhos eletrônicos.
Isso deixa claro que a organização da prova foi feita “a toque de caixa”, pois até mesmo a decisão sobre qual gráfica seria responsável pelas provas foi feita de ultima hora. Enquanto se tratar um exame de tamanha importância com esse nível de descaso, a tendência é que, com sorte, levarão mais algumas décadas para que nosso ensino superior chegue ao mesmo nível de sucateamento do resto da educação pública.
Enfim, pode-se concluir que o ENEM teve problemas sim. Não necessariamente aqueles enfatizados pelas revistas e jornais, mas outros que evidenciam o amontoado de porcarias que se tem feito com a educação brasileira ao longo de tantos anos. Se nada for feito, falta de capacitação dos profissionais não será mais um problema exclusivo da OAB.
(Por: Raul Natale Jr)
1 comentários:
Se me permite não é só da OAB...
Bem vindo ao mundo Neoliberal quem ainda não percebeu. Concordo com seus pontos, porem não seu se vai demorar tanto assim... na área de humanas que não dão tanto dinheiro (como advocacia) eu diria que a sucata já chegou....
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